Intimidade com Deus



À primeira vista, o título do texto parece destoante, mas creio que ele resume bem o devocional de hoje, uma bela tarde de muito sol e muito frio na Capital dos paulistas. Há dias que leio e releio o 10º capítulo do Evangelho "de" São João, sabendo que ali há uma revelação de Deus para mim e, apesar de insistir na leitura, ainda não descobri o que seja. Tomado fora do contexto, como geralmente fazemos, o v. 10, "O ladrão não vem senão a roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância" distancia o assunto bom-pastor-porteiro-ovelhas. Contextualizando, Jesus é o bom pastor que deseja intimidade com as ovelhas atuais da sua Igreja.

Tenho 56 anos de idade e quase 40 de decisão por Cristo. Eu aceitei Jesus como Senhor da minha vida e Salvador da minha alma em 1975. E a forma como fiz isto, foi levantando meu braço, publicamente, em sinal de aceitação ao convite que fora feito pelo pastor de uma congregação da Igreja Deus é Amor. Daí, pouco tempo depois fui batizado nas águas da Represa do Guarapiranga, e não muito depois disso, batizado com o Espírito Santo na vigília da mesma Igreja no Bairro do Tucuruvi - Zona Norte de São Paulo.

Era muito religioso. Orava. Jejuava. E resistia bem aos ataques de decepção de minha mãe, profundamente enraizada na Igreja Católica. Eu sentia a presença de Deus em minha vida, mas como uma criança, Deus cuidava de mim, mas eu não sabia quem Ele era.

Prosseguindo neste assunto de intimidade, entendo que uma pessoa religiosa concebe em sua mente a ideia de que a cura de doenças, o emprego, a promoção, a compra da casa, o carro novo, a entrada na universidade sejam objetos de oração a um Deus e Senhor cuja vontade é limitada apenas para atender as orações de um crente.

Aprendi, no entanto, que o propósito de Deus para minha vida, depois de me ter salvado é que eu cresça em entendimento e sabedoria da sua vontade para ser íntimo dele.

Abraão tinha um entendimento de Deus aos 75 anos de idade. Mas, aos 100, seu entendimento e comunhão com Deus eram muito maiores. Dos cultos de altares e queima de animais à perfeição exigida por Deus levou uns 25 anos.

Davi recebeu a unção de Deus na adolescência. Quando se tornou adulto, e vivia fugindo do sogro, sabia que Deus respondia orações. Tinha confiança nisso. Nas piores situações ele não se esquecia de consultar a vontade de Deus. Depois de ser confirmado Rei em Jerusalém e em toda nação de Israel foi traído pelo sucesso e pecou. O diabo aproveitou a brecha e procurou destruir a família de Davi, e só não teve sucesso, porque ao ser repreendido pelo profeta Natã, se humilhou - apesar de Rei - e recomeçou a andar no caminho da fidelidade e intimidade com Deus.

Jó, no "primeiro tempo" da sua experiência com Deus, se parece muito com os evangélicos do meu tempo que creem que Deus faz a parte Dele quando andamos fiéis. Aqui posso ver que Deus deseja que alcancemos o final da maratona em termos de entendimento, bem além dos 100 metros rasos da velocidade da glória humana. Jó, imagino, era como o filho mais velho da parábola do filho pródigo. Religioso. Não vacilava. Ético. Solidário. Prudente. Rico. Mas não tinha ainda o grau de intimidade desejada por Deus. Então veio o diabo com inveja e provocou a Deus. E Deus permitiu que o diabo tirasse todos os bens e destruísse a família. Mas ainda restava fé em Jó. Na segunda etapa, o diabo veio e acabou com a saúde de Jó. Como Jó ainda resistisse, instigou a língua de três velhos amigos e de um jovem para arar sobre os ouvidos de Jó. Mas as aflições de Jó não tivessem acontecido, ele nunca teria tido uma oportunidade de falar com Deus e ouvi-lo tão de perto. É bem verdade que no final ficou duas vezes mais rico, mas o coração de Jó não lhes dava mais valor, pois a comunhão e a intimidade com Deus eram riquezas muito mais preciosas que camelos, ovelhas e vacas. E hoje muito melhores que Mercedes, casas em Boca Raton e estudar direito em Harvard. Para ter intimidade com Deus é preciso aprender a ser dependente de Deus. E só se aprende ser dependente de Deus quando estamos por baixo. Em crise. No deserto. No desemprego. Na solidão. Abandonado. Passando pelo vale da sombra da morte. Depois que saímos do buraco, pela graça de Deus, nós podemos olhar para o céu com um novo entendimento do que é a vontade de Deus. Não creio que haja intimidade com Deus sem "pós-graduação" em dependência do Senhor. E depender do Senhor é compreender que a vontade Dele prevalece sobre a minha. Que o tempo do Senhor é diferente do tempo que desejo. Que os pensamentos do Senhor são mais altos que os meus pensamentos. Que ele é Pai e eu sou seu filho por adoção. Quanto a mim, aprendi que Deus é meu Senhor, depois de 11 longos anos de desemprego.

Ir na Igreja é uma coisa, ter intimidade com Deus é outra. Cantar no coral da juventude da Igreja é uma coisa, ouvir a voz de Deus é outra. Ser presidente de uma grande denominação é uma coisa, andar na presença de Deus é outra. Ser rico das bênçãos de Deus é uma coisa, ter o coração quebrantado para fazer o que Deus manda é outra. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como se contextualiza semanticamente em nossa língua.

Conhecer a Deus e andar na sua vontade é algo que deve ser desejado muito mais que carros, prédios e jatinhos. Viagens e carreiras. Se você soubesse que em tal lugar há uma pessoa que sob sua oração Deus vai ouvir e curar aquela pessoa, por ventura isto não é mais importante para um cristão do que ter uma BMW na garagem? Entendo que sim, pois há muitos que podem comprar um carro alemão, mas não há dinheiro que compre os direitos de ouvir a voz de Deus. O carro envelhece. O riso de contentamento passa quando o couro dos bancos se rasga, mas a alegria da presença do Espírito Santo nunca perde o brilho em um coração que aprendeu a depender de Deus.

Como é que se adquire intimidade com Deus? Como é que se anda na presença de Deus? Como é que chega a um grau perfeito de entendimento da vontade de Deus? Eu não preciso de muitas palavras para deixar algumas respostas. É procurando ser fiel nas coisas pequenas. No dia a dia. É desejando conhecer o propósito de Deus para as diferentes épocas da vida. Infância. Adolescência. Juventude. Velhice. O propósito de Deus não é a mesma coisa que ACHAMOS ser. É aqui que muitos se desviam do caminho seguindo atalhos ou desvios. A vida cristã é como uma estrada cheia de subidas, descidas, curvas, buracos e precipícios. Entretanto, ela é bem sinalizada, e é lendo estes pequenos sinais que podemos escapar dos desvios, diminuindo a velocidade.

A voz de Deus não é a mesma coisa que a voz dos homens. Não é a voz da maioria e, dependendo do momento, não é a voz da direção da denominação. Além dos ensaios, louvores, pregações, congressos e acampamentos a voz de Deus pode ser ouvida, principalmente se você adquirir o hábito de ficar a sós com Deus. Jesus buscava lugares onde ia sozinho para orar. Um lugar reservado para ler a Bíblia Sagrada e meditar nos assuntos da leitura. Você precisa ficar atento a pequenos e insignificantes detalhes em sua busca. É preciso ter mais interesse em conhecer a Deus e entender o propósito Dele. O cristão que dedica mais tempo para novelas, facebook, orkut, twitter, filmes, livros de vampiros ou músicas seculares no mínimo deve saber que se assemelha com Esaú, o filho de Jacó que não valorizava o sagrado.

Intimidade com Deus depende de opção pessoal pela rejeição ao profano e interesse íntimo pelo sagrado.

Por que há tanto vazio e falta de alegria no coração de tantos cristãos? Respondo: É porque estão trocando o buscar a presença de Deus por coisas tolas. E quando você valoriza mais as coisas que tomam o lugar de Deus, e se esquece das coisas que O agradam, você vai fechando lentamente a porta do seu coração para o Espírito Santo. E Ele vai se apagando da sua vida. A alegria se vai e no lugar fica a tristeza de um grande vazio.

É assim que se perde (ou deixar de ter) intimidade com Deus, apesar de estar todo dia dentro da Igreja. O Senhor deseja que todos andem na presença Dele, mas a presunção de cada um se enfastia de Deus e busca, como o filho pródigo, lugares e coisas mundanas para ocupar o lugar Dele.

Termino com o v. 14 do mesmo capítulo que diz: "Eu sou o bom pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas ovelhas sou conhecido." Além de dizer que é uma pena passar a vida inteira em uma Igreja desconhecendo que Deus, como grandioso Pai, é real e deseja ardentemente que o conheçamos bem de mais perto.


João Batista Cruzué
Fonte: http://www.atendanarocha.com