DEUS para DEUS: estupenda grandiosidade DEUS para o homem: estonteante humildade






Consideremos os seguintes textos bíblicos:

· “Deus não é filho de homem, para que se arrependa” (Números, 23.19); “[Deus é] o Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tiago, 1.17).

· “Põe em ordem a tua casa, porque morrerás, e não viverás” (Isaías, 38.1) / “Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas; eis que acrescentarei aos teus dias quinze anos” (id.,ib.,v.5). Entenda-se: Deus, que pronunciara uma categórica sentença de morte sobre o rei Ezequias, que estava enfermo, voltou atrás, diante da contrição e arrazoamento do rei.

· “Senhor Jeová, perdoa; como se levantará agora Jacó? Pois ele é pequeno. Então o Senhor se arrependeu disso: Não acontecerá, disse o Senhor. [...] Senhor Jeová, cessa agora; como se levantará Jacó? Pois ele é pequeno. E o Senhor se arrependeu disso. Nem isto acontecerá, disse o Senhor Jeová” (Amós, 7.2,3, 5 e 6). Ou seja, por duas vezes, Deus ouviu a intercessão do profeta Amós em favor do povo judeu, e alterou o pronunciamento de sua sentença punitiva.

A aparente contradição desses textos se desfaz pelo entendimento de que Deus se revela, na Bíblia, em duas perspectivas: “Deus para Deus”, isto é, Deus em si mesmo, na exclusividade da sua essência, e “Deus para o homem”. Veja-se a tremenda simplicidade, a impressionante concisão com que isso se resume em Êxodo, 3.13-14.

No citado texto, Moisés, convocado por Deus para libertar o povo judeu, escravizado no Egito, pergunta-lhe o nome. E importa observar que o nome, nessa cultura, não era mero rótulo com que, aleatoriamente, se designava alguém. O nome era a expressão de uma característica definidora da pessoa, relativamente a um aspecto físico, psíquico, ético ou espiritual. Esaú, por exemplo, significa peludo; Jacó, suplantador; Elias, Cujo Deus é Jeová. Poderia, também, ligar-se a alguma circunstância de sua vida, tal como aconteceu com o neto de Eli, a quem a mãe expirante pôs o nome de Icabode, Foi-se a glória de Israel. O próprio nome Moisés significa Salvo das águas.

Pois bem, o que Deus respondeu a Moisés?

“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós” (Êxodo, 3.14).

Entenda-se: na primeira perspectiva, “EU SOU O QUE SOU”, Deus se coloca como o Ser indefinível, já que Ele é infinito; e definir, ou definire, é estabelecer fim, ou finis. Absoluta coerência: a única “definição” de Deus é Deus, que começa e termina em seu próprio começo – EU SOU EU, o Alfa e o Ômega (Isaías, 44.6; Apocalipse, 1.8). Ou seja: o princípio e o fim, que é o começo, estão coincididos na realidade do eterno. Sem dúvida, algo inatingível pela compreensão limitada do homem; uma esfera conceitual fechada, impenetrável pela cogitação humana. Aí resplandece Deus para Deus em sua estupenda grandiosidade.

Nessa perspectiva, Deus é imutável. Ele “não é filho de homem, para que se arrependa” (Números, 23.19); é o “Pai das luzes, em que não há mudança nem sombra de variação” (Tiago, 1.17). É o Ser subsistente que, conforme certa colocação do metafísico Richard Taylor, existe por sua própria natureza intrínseca. É “Deus para Deus”, repetimos, em sua estupenda grandiosidade. Quando Ele fez soar sua voz, de cima do Sinai, o monte tremeu e fumegou (Êxodo, 19.18). E assim aconteceu, mesmo tendo o Senhor descido ao nível do entendimento do homem.

Na segunda perspectiva, aquela do “EU SOU”, Deus se abre, para comunicar-se com o homem. Para isso, Ele desce à realidade do homem. Ele assume o estilo de ser do homem, estabelecendo um plano de relacionamento que permite o diálogo. E diálogo é interação verbal dos comunicantes, em que locutor e interlocutor se revezam no jogo da locução: o eu torna-se tu, o tu torna-se eu – fato, aliás, intuído pelo rei francês Léopold 1er (Fiorin, 1996), séculos antes de o fenômeno ser tratado nas modernas abordagens da Linguísitca. Com efeito, para não se equiparar a seu criado, na reciprocidade da troca verbal, o rei dava-lhe ordens, substituindo o pronome eu pelo pronome ele, garantia de distância. Assim, por exemplo, em vez de dizer ao criado: “Eu quero minha espada” (Je veux mon épée), o rei Léopold dizia-lhe: “Ele [a majestade] quer sua espada” (Il veut son épée).

Ora, o estilo do homem carrega todas as características inerentes à identidade do homem, que é essencialmente um ser limitado – na capacidade e possibilidade do conhecimento, da ação, do exercício da vontade. É próprio do homem, de ângulos diversos, voltar atrás ou arrepender-se. Assim, pois, ao comunicar-se com o homem, assumindo o exatamente como ocorre nos episódios acima referidos (Isaías, 38.1-5; Amós,7.1-6).

Na verdade, as variações no comportamento de Deus em sua relação com o homem fazem parte do seu misericordioso propósito em abrir espaço para o exercício da fé humana, da oração, da intercessão. Objetivam possibilitar uma intercomunicação de intimidade do Pai com seus filhos. São prova da humildade divina em conferir ao homem o direito de contra-argumentar, de apresentar suas humanas razões, possibilitando-lhe, muitas vezes, interferir, alterar situações que se estabeleceriam de forma diversa. Jesus ensinou: “Pedi, e dar-se-vos-á” (Mt7.7)

É ainda nessa segunda perspectiva, na qual se tem Deus para o homem, que se registram outras mostras da estonteante humildade do SENHOR. São as Escrituras que nos dão provas disso:

· “Porque assim diz o Alto e Sublime, que habita na eternidade e cujo nome é Santo: Em um alto e santo lugar habito e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos” (Isaías, 57.15).

· “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti, que trabalhe para aquele que nele espera” (Isaías, 64.4).

· “O filho honrará o pai, e o servo, ao seu senhor; e, se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o meu temor? – diz o Senhor dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome” (Malaquias, 1.6).

Foi tão absolutamente grande o propósito de Deus em estabelecer com o homem um nível de relacionamento divinamente humanizado, que o próprio Deus se fez Homem, na Pessoa do seu Unigênito, Jesus Cristo (João, 1.14). E, como Homem, Deus se apresentou na suma expressão da humildade. Eis um testemunho do Apóstolo Paulo: “Jesus Cristo [...], sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses, 2.6-8).

E foi com essa absoluta autoridade que Jesus pôde dizer: “aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mateus, 11.28).

Concluindo, pergunto a Você, que acaba de ler este artigo: sua alma está cansada? Muito cansada? Pois saiba: existe Alguém que pode fazê-la descansar... Invoque-O, de todo o seu coração! O Nome dele é Jesus Cristo. Ele ama você, e talvez você nem o saiba.


Maria Helena Garrido Saddi, professora universitária, doutora em Letras, membro da Catedral Evangélica Hebrom. hgsaddi@gmail.com

Moacir Neto - Lidiomar Trazini http://www.reflexoesevangelicas.com.br